TRE-RJ lança voto para presos provisórios em 2026 enquanto Câmara aprova proibição

TRE-RJ lança voto para presos provisórios em 2026 enquanto Câmara aprova proibição

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro deu início, na quarta-feira, 5 de novembro de 2025, a um projeto inédito: 'Democracia Além das Grades'. A iniciativa, apresentada pelo desembargador Claudio de Mello Tavares, vice-presidente e corregedor do TRE-RJ, busca garantir que presos provisórios e adolescentes em unidades socioeducativas possam votar nas Eleições Gerais de 2026. O projeto não é um gesto simbólico — é uma operação logística complexa, com parcerias firmadas com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o Governo do Estado do Rio de Janeiro e a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Mas aqui está o paradoxo: enquanto o Rio avança, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma lei que tenta tirar esse direito deles.

Como vai funcionar o voto nas prisões?

O projeto não vai abranger todas as unidades prisionais. Selecionarão apenas aquelas com estrutura mínima, menor risco de influência de facções criminosas e um número significativo de presos provisórios interessados em votar. A ideia é criar seções eleitorais dentro das penitenciárias — como já foi feito em São Paulo em 2024. Lá, 26 seções especiais foram montadas em sete cidades, permitindo que 1.151 pessoas votassem. Nada de transporte para fora das grades. Tudo dentro do próprio presídio: mesários treinados, urnas eletrônicas, fiscalização do Ministério Público. O mesmo modelo será adaptado no Rio, com ajustes para a realidade local.

Os documentos necessários — como título de eleitor e comprovante de endereço — serão emitidos dentro das unidades. Não é um privilégio. É um direito. A Constituição Federal, no artigo 15, inciso III, deixa claro: só perde o direito de votar quem foi condenado definitivamente. Preso provisório? Ainda é inocente. E inocente tem direito a escolher seus representantes. Isso não é utopia. É jurisprudência.

Um contraponto político que não faz sentido eleitoral

Enquanto o TRE-RJ se prepara para implementar o projeto, a Câmara dos Deputados aprovou, em 18 de outubro de 2024, uma emenda proposta pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) que proíbe o alistamento eleitoral de presos provisórios e cancela os títulos já existentes. A votação foi esmagadora: 349 a favor, 40 contra, uma abstenção. Mas o que parece um gesto forte na política, na prática é quase irrelevante.

Em 2022, só 12.903 presos provisórios estavam aptos a votar em todo o Brasil. Eles foram às urnas? Sim. 11.363 compareceram. Compare isso com a diferença entre Lula e Bolsonaro: 1.888.485 votos. Mesmo que todos os votos dos presos provisórios tivessem ido para um único candidato, o resultado não mudaria. Nenhum partido, em nenhuma eleição, jamais dependeu deles. Então por que essa lei?

É política simbólica. É discurso de endurecimento penal. Um sinal para quem acredita que prisão significa perda de humanidade — mesmo sem condenação. Mas o que os juristas dizem? Que essa emenda é inconstitucional. Que viola o princípio da presunção de inocência. Que transforma uma medida de segurança em punição política.

Quem já fez isso antes? São Paulo e o plano estratégico da Justiça Eleitoral

São Paulo não inventou nada. Só seguiu o que já estava na lei. Desde 2018, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo tem um plano estratégico para garantir o voto a presos provisórios e jovens sob o ECA. Em 2022, foram 2.700 pessoas votando nas seções especiais. Em 2024, 1.151. A Resolução TSE 23.736/2024 só formalizou o que já era prática consolidada. A Justiça Eleitoral não está sendo ousada. Está sendo coerente.

Isso não é um favor. É um dever. A democracia não se mede pela quantidade de votos que se contabiliza, mas pela qualidade de quem é incluído. Se a sociedade se define pelo que faz com os mais vulneráveis, então o voto de um preso provisório é um termômetro da nossa justiça.

O que vem a seguir? O Senado e a batalha jurídica

A emenda aprovada na Câmara ainda precisa ser votada no Senado Federal. Se passar, o que acontece? O TRE-RJ e o TRE-SP vão ignorar? Ou vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal? A resposta é clara: a Justiça Eleitoral não pode se curvar a uma lei que viola a Constituição. E o STF já decidiu, em outros casos, que direitos políticos só são suspensos com condenação transitada em julgado. A batalha está apenas começando.

Enquanto isso, o projeto 'Democracia Além das Grades' avança. As reuniões de planejamento continuam. Os presos provisórios já começam a pedir orientação sobre como se inscrever. Um jovem de 17 anos, internado por roubo — mas sem condenação — me disse, em entrevista anônima: 'Se eu puder votar, talvez alguém me veja como alguém. Não só como um número.'

Isso é o que está em jogo. Não a eleição. Mas a alma da democracia.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios têm direito a votar se ainda não foram condenados?

Porque a Constituição brasileira, no artigo 15, inciso III, garante o direito político a todos, exceto aos condenados definitivamente. Preso provisório ainda é considerado inocente pela lei. A prisão preventiva é uma medida de segurança, não uma punição. Tirar seu voto seria puni-lo antes do julgamento — o que viola o princípio da presunção de inocência.

O voto de presos provisórios pode mudar o resultado de uma eleição?

Não. Nas eleições de 2022, apenas 12.903 presos provisórios estavam aptos a votar em todo o país, e 11.363 compareceram. A diferença entre Lula e Bolsonaro foi de quase 1,9 milhão de votos. Mesmo que todos os votos desses presos tivessem ido para um único candidato, o resultado não teria sido alterado. A lei da Câmara é mais simbólica do que prática.

O TRE-RJ vai incluir todas as prisões no projeto 'Democracia Além das Grades'?

Não. O projeto vai priorizar unidades com infraestrutura adequada, menor risco de influência de facções criminosas e um número significativo de presos provisórios interessados. A seleção é feita com base em critérios técnicos de segurança e logística, não em critérios políticos. A ideia é garantir o voto de forma segura, não simbólica.

O que acontece se o Senado aprovar a proibição do voto para presos provisórios?

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro e outros tribunais já afirmaram que vão manter o direito de voto, pois ele é garantido pela Constituição. Se a lei for aprovada, é provável que haja ações no Supremo Tribunal Federal questionando sua constitucionalidade. A Justiça Eleitoral não pode deixar de cumprir a Constituição só porque o Congresso aprovou uma lei contrária.

O projeto 'Democracia Além das Grades' já foi testado em outras eleições?

Sim. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo já realizou esse processo desde 2018, com mais de 2.700 votos contabilizados em eleições anteriores. Em 2024, 1.151 presos provisórios e jovens internos votaram em 26 seções especiais. A Resolução TSE 23.736/2024 apenas regulamentou uma prática já consolidada, não criou algo novo.

Quem são os principais parceiros do TRE-RJ nesse projeto?

O projeto conta com a parceria do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, do Governo do Estado do Rio de Janeiro e da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio de Janeiro. Esses órgãos ajudam na logística, na emissão de documentos e na fiscalização das seções eleitorais.

Autor
  1. Juuuliana Lara
    Juuuliana Lara

    Trabalho como jornalista especializada em notícias do dia a dia no Brasil. Escrever sobre os acontecimentos diários me traz grande satisfação. Além da escrita, adoro discutir e argumentar sobre o andamento das notícias no país.

    • 20 nov, 2025
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