A corrida: virada, técnica e cartões
Ele começou fora do top 25 e terminou no lugar mais alto do pódio. Em Tóquio, Caio Bonfim venceu os 20 km da marcha atlética do Mundial com 1h18min35s e assinou uma das provas mais maduras da carreira. Aos 34 anos, o brasiliense de Sobradinho não só conquistou o ouro como também se tornou o brasileiro mais medalhado em Mundiais de atletismo, agora com quatro pódios.
A tática foi simples e fria: ritmo controlado no início, paciência no pelotão, e aceleração progressiva quando a técnica dos rivais começou a se desgastar. Em um circuito urbano plano e rápido, o brasileiro fez a leitura certa de quando atacar. Recuou, voltou, observou cartões dos adversários e escolheu os quilômetros finais para decidir. Deu certo.
O pódio saiu milimétrico. O chinês Wang Zhaozhao levou a prata com 1h18min43s, oito segundos atrás do brasileiro, e o espanhol Paul McGrath ficou com o bronze em 1h18min45s. A diferença pequena diz muito: quem manteve a técnica intacta na última volta sobreviveu. Quem vacilou, pagou caro.
Essa conta ficou clara com o japonês Toshikazu Yamanishi, apontado como principal adversário de Caio. Ele recebeu três punições por infrações técnicas — em marcha, os juízes observam se há contato contínuo com o solo e joelho estendido na passada — e precisou cumprir dois minutos de parada obrigatória na área de penalização. Voltou, tentou reagir, mas perdeu posições na reta final. Em provas desse nível, dois minutos são uma eternidade.
Os brasileiros tiveram presença sólida no top 10: Mateus Corrêa cruzou em sétimo, com 1h21min04s, resultado que vale posições importantes na tabela de pontuação da competição. Max Santos completou em 42º, com 1h27min34s, num dia em que o ritmo médio da elite ficou abaixo de 4 minutos por quilômetro.
A gestão do esforço foi ainda mais impressionante por outro motivo: uma semana antes, Caio havia sido prata nos 35 km, também no Mundial de Tóquio. Recuperar o corpo nesse intervalo curto e entregar uma prova limpa nos 20 km exige controle de carga, leitura de ritmo e, sobretudo, técnica constante quando a fadiga bate. É onde muita gente perde a prova — e onde o brasileiro ganhou.
Teve momento leve no pós-prova: Caio contou que perdeu a aliança por volta do terceiro quilômetro e brincou que a esposa, Juliana, só perdoaria se viesse o ouro. Veio. Ele ainda disse que ela foi uma peça-chave nos bastidores, apostando no título quando ele mesmo não estava confiante. Atletismo também é cabeça — e rede de apoio.
Para quem não acompanha de perto a marcha atlética, vale um resumo rápido. O esporte tem duas regras de ouro: contato aparente com o solo o tempo todo e joelho da perna de apoio estendido no momento do contato. Quebra visível dessas regras pode render advertências e, com três cartões de juízes diferentes, o atleta é enviado à área de penalização, onde cumpre um tempo parado antes de voltar. A intenção é preservar a técnica sem desclassificar de imediato, mas o impacto no resultado é brutal.

O que muda para o Brasil e para a carreira de Bonfim
Com o ouro de Tóquio, Caio entra no seleto grupo de campeões mundiais do atletismo brasileiro. Antes dele, só Fabiana Murer (salto com vara, 2011) e Alison dos Santos (400 m com barreiras, 2022) haviam conquistado o topo do mundo. A campanha em Tóquio ainda engorda um currículo que já incluía a prata olímpica em Paris-2024 e três medalhas anteriores em Mundiais.
O histórico agora fica assim: ouro nos 20 km (Tóquio 2025), prata nos 35 km (Tóquio 2025) e bronzes nos 20 km (Londres 2017 e Budapeste 2023). É uma linha do tempo que mostra evolução e consistência em grandes palcos, com um detalhe importante: ele performa bem em diferentes distâncias, o que não é trivial na marcha.
O impacto para o Brasil vai além do pódio. A equipe soma pontos importantes na classificação por posições e reforça um núcleo competitivo na marcha — algo que o país vem construindo há anos, com resultados crescentes em Pan-Americanos, Jogos Olímpicos e Mundiais. Ter dois atletas no top 10 em Tóquio, com Corrêa em sétimo, é sinal de lastro.
O ouro também reposiciona a conversa sobre estratégia em provas de marcha. Caio mostrou que largar mais controlado, aceitar perder contato com a dianteira em certos momentos e confiar na técnica nos quilômetros finais pode valer mais do que brigar pela ponta a qualquer custo. Em um dia de muitas punições, quem preservou o gesto venceu.
Nos bastidores, o desafio que vem pela frente é manter saúde e volume com bom timing. A temporada de alto nível é longa, a fiscalização está cada vez mais rigorosa, e qualquer oscilação técnica vira cartão. O plano, segundo o discurso após a prova, é seguir prova a prova, mirando os principais eventos do calendário internacional e planejando picos de forma com mais de um alvo no ano.
Em Tóquio, a imagem final ficou cristalina: um brasileiro controlando a frequência de passos, entrando forte no último quilômetro e abrindo o suficiente para segurar dois adversários perigosos. Passou a linha, respirou, procurou a aliança e riu do próprio drama. Título mundial no bolso, história feita, e a sensação de que ainda há espaço para mais.
Medalhas de Caio em grandes eventos:
- Mundial 2025 (Tóquio) – Ouro nos 20 km
- Mundial 2025 (Tóquio) – Prata nos 35 km
- Mundial 2023 (Budapeste) – Bronze nos 20 km
- Mundial 2017 (Londres) – Bronze nos 20 km
- Jogos Olímpicos 2024 (Paris) – Prata
O cenário competitivo segue feroz, com China, Japão e Espanha revelando marchadores em sequência. Mas, em Tóquio, o detalhe que separou o campeão do resto foi um velho conhecido do esporte: técnica que não quebra quando as pernas queimam. Caio soube esperar, atacar e controlar. E isso, em marcha atlética, costuma dar título.
Trabalho como jornalista especializada em notícias do dia a dia no Brasil. Escrever sobre os acontecimentos diários me traz grande satisfação. Além da escrita, adoro discutir e argumentar sobre o andamento das notícias no país.